Date:Seg Jan 15, 2001 5:25 pm Texto:34 Assunto: Autonomia Existencial Mensagem:535
Saudações Ventania; Saudações Patricia; O tema que vc indica para tratar é muito importante. Autonomia Existencial. No dizer de Piaget toda a educação formal e informal deveria ser realizada tendo como principal escopo fornecer meios para que cada ser atinja a sua “autonomia moral e intelectual” . Essa questão da autonomia existencial é fundamental, especialmente para nós que trilhamos caminhos como o xamanismo e o paganismo. A sociedade na qual estamos inseridos tem como meio maior de manter o poder nas mãos das elites dominantes, um trabalho progressivo de alienação do ser humano frente a si mesmo. Somos levados a esquecer de nós mesmos, perdidos em identificações . Achamos que temos poder, o poder de aumentar ou abaixar o som da televisão, de escolher entre o produto A ou B na prateleira do supermercado, o poder de determinar o destino de nossas próprias vidas. Mas se começarmos a meditar atentamente sobre a realidade de nossas vidas veremos que tal poder é uma tolice sem par, estamos apenas numa senzala mais sofisticada, uma senzala com máquina de refrigerantes, e nos consideramos livres porque ganhamos algumas moedas, em troca do nosso suor, de nossa vida entregue a realizar tarefas boçais para servir a um sistema que nos alimenta com desejos que tomamos por nossos e para satisfazer esses desejos nos deixamos escravizar. E a forma de manter o ser humano alienado de si é a partir da identificação que temos com as coisas que nos cercam e com aspectos de nós mesmos que nao representam a expressão de nossa essência. Nos identificamos com nossas emoções, nos identificamos com os padrões de raciocínio que nos permitiram desenvolver, nos identificamos com as situações sociais que estão a nossa volta, nos identificamos com padrões de comportamento e conduta que foram gerados por convenção social, convenção essa bem mais imposta que acatada. Progressivamente somos alienados de nosso ser e passamos a viver segundo uma programação. Nosso sentir é reduzido a um emocionar-se, nosso pensar é reduzido a um raciocinar dentro de paradigmas pré estabelecidos. Apenas somos “doutrinados” por esses paradigmas, não participamos ativamente, não os compreendemos profundamente. Deixamos de agir , para reagir e assim presos a modelos cognitivos prontos, a acordos perceptivos alheios nos tornamos sobreviventes, herdeiros de uma civilização conquistada e no caso de nós brasileiros, colônia (não importa o título que dêem hoje) de um sistema imperialista mundial , onde bilhões sobrevivem em condições degradantes para que uns poucos milhares mantenham seu status quo. Não há como dissociar o caminho pagão e xamânico de uma visão critica e profunda da realidade a nossa volta. Não há como se dizer pagão ou xamã e não perceber que estamos levando o mundo à destruição, por ação ou omissão. O desequilibrio econômico, social e ecológico é parte de um profundo desequílibrio do ser humano com ele mesmo e isto ocorre porque fomos isolados do contato com nosso interior, levados a focalizar toda nossa atenção no condicionamento que o sistema dominante impos como verdade. Por isso todo caminho profundo que fala de liberdade começa com meditação e auto observação , para que pouco a pouco possamos aprender a não nos identificarmos. Quando somos capazes de não mais nos identificarmos com as realidades diversas que nos impuseram, podemos ganhar espaço cognitivo para questionar a validade desses acordos perceptivos que fomos levados a firmar. Não basta porém romper intelectualmente com esses acordos. Muitos filósofos e não filósofos fazem isso, chegam a verdadeiras conclusões contundentes sobre tal estado de coisas, mas param na compreensão intelectual. Só quando transformamos em atos o que descobrimos tais descobertas são realmente “nossas” . E ao agir , frente a constatação do quão condicionados fomos, do quão ausentes e alienados (as) de nós mesmos estamos, percebemos que podemos tomar nossas próprias decisões. Aí chegamos na autonomia, já que autonomia é esta profunda e singular capacidade de tomarmos nossas próprias decisões, com base em paradigmas que podem ou não se apoiar nos paradigmas vigentes. Existem duas formas de agir, o agir com autonomia e o agir com heteronomia. Quando uma criança deixa de jogar papel no chão porque compreende que não é bom sujar o lugar ela está desenvolvendo a autonomia, quando o faz com medo da autoridade de um adulto que lhe “manda” não jogar papel no chão, isso reforça a heteronomia. Vou dar um exemplo clássico de como isso ocorre na educação, um exemplo que sempre uso nos meus cursos com educadores (as). Uma criança aprendendo a escrever escreve “muinto”. Na educação clássica viria o professor, riscaria o n de vermelho e diria : Errado! Então escreveria o “certo” e mandaria a criança repetir. REgistro para a criança: A autoridade disse: Assim é errado, assim e’ certo. Decoro o certo. Ou por medo, ou por necessidade de agradar a criança passa nesse tipo de educação a decorar respostas para às situações não para responder a situaçao em si, mas para evitar o medo ou agradar o adulto , ou adultos, a quem ela transferiu o governo de si, num processo de heteronomia. Já alguns modelos de educação que estamos trabalhando para que cresçam em aplicação tem outra abordagem. Primeiro passo, não há “erro” . O “ato inteligente” ocorreu, “muinto” é a representação fonética da palavra, como se fala, assim houve até mais resposta do que a pedida. Mas a convenção social é determinante na nossa sintaxe, na questão gramatical. Ao invés de corrigir a criança o professor vai expor à mesma, a frases de jornal ou livro, ao trabalho mesmo de seus colegas, para que ela perceba a diferença de sua forma de grafar para a forma usada . Quando vier a pergunta: “ Estou errada?” entra o momento da aprendizagem:
- “Não, responde o professor, de fato muito, se fala assim, mui”n”to. Mas na lingua oficial, a que todo mundo fala, a que combinaram que ia ser a usada como padrão, se escreve assim, muito. Quando for escrever para si mesmo escreva como quiser, quando for escrever para as pessoas melhor escrever desse jeito que todas entenderam. “ Notem a profunda diferença de resultados. No segundo caso estamos trabalhando para que esta criança atinja a autonomia moral e intelectual, ela está aprendendo a valorizar seus atos inteligentes, ela está aprendendo sobre linguagem social e convençào, ela está aprendendo a valorizar seu modo de ser e também a viver de forma adaptada ao meio, adaptar-se sem trair a sua própria essência. Como sabemos a maior parte de nós não foi educada dessa forma, nas mais diversas situações recebemos informações contraditórias e as pessoas que nos educam na realidade também não foram educadas e isso gera um circulo vicioso de condicionamentos que impede nossa descoberta de nós mesmos. Assim, alienados de nossa própria realidade esquecemos que somos criaturas mágicas, criaturas com habilidades e possibilidades incríveis e ficamos por aí, mendicando em ritos copiados em forma sem entender essência, migalhas de um todo que nos pertence. Criando deuses e deusas para suprir nossas carências, para que façam o papel de pais e mães psicológicos que respondam por uma ilusão de segurança. Grande parte do que tenho visto sendo descrito como xamanismo é só “resignificação” isto é, os mesmos conceitos limitantes que já existiam nesta civilização foram só “maquiados” com outr roupagem e palavras oriundas de outra cultura, mas os limites, as bitolações básicas continuam. O xamanismo e o paganismo são caminhos livres por excelência, estamos unidos aos ciclos da terra, ao ciclos da vida, trilhamos em harmonia com esses ciclos, celebramos estes ciclos, celebramos as forças da vida e da existência , mas não adoramos projeçòes de fantasias e inseguranças interiores expressas em formas humanas ou palavras escritas. Assim o conceito de autonomia é algo que todo (a) xamã, todo(a) pagão(ã) tem como meta existencial , como ato de vida. Agir a partir de nossa compreensão profunda de nosso papel singular no grande jogo da existência e não ficar preso(a) a regras convencionadas quer perceptivas quer existenciais, criadas por um sistema que sabemos ser escravocrata e destruidor da harmonia e da vida. A autonomia dos xamãs guerreiros é tremenda. Depois de negar a descrição, o acordo perceptivo da primeira atenção , ativam seu segundo anel de poder e se sintonizam com o Intento dos Xamãs da Antiguidade e então exploram as possibilidades da segunda atenção com equilibrio e sobriedade, mas aqui também agem com autonomia, nào são seguidores, são artistas em ação. E ao invés de cair no dominio da segunda atenção aprendem a escolher o caminho do meio , até o momento decisivo quando deixam para trás tanto a primeira como a segunda atenção, reafirmando sua autonomia existencial, sua liberdade intrínseca e singular. Uma longa viagem começa com um passo, reavaliar a qualidade da educação que recebemos nos ajuda a perceber onde precisamos trabalhar com mais afinco a fim de sanar as debilidades existenciais que o sistema em nós insere a fim de sabotar nossas chances à LIBERDADE. Algumas reflexões sobre o tema;